Novo Marco do Licenciamento Ambiental - Blog Campello

O Senado Federal aprovou, em 21 de maio de 2025, o Projeto de Lei nº 2.159/2021, que estabelece o novo marco legal do licenciamento ambiental no Brasil. Após décadas de debates, o texto segue agora para sanção presidencial, carregando consigo uma série de inovações, simplificações e responsabilidades que reconfiguram profundamente a dinâmica entre empreendedores, consultores ambientais e órgãos licenciadores.

Mais do que um simples ajuste legislativo, trata-se de uma transformação estrutural no modelo de gestão ambiental brasileiro, que desloca parte relevante do controle tradicionalmente exercido pelos órgãos ambientais para um sistema mais baseado na autodeclaração, na responsabilização pós-licença e no fortalecimento das obrigações contínuas de controle, monitoramento e fiscalização.

Neste artigo, exploramos as origens desse modelo, com foco no histórico da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), nas implicações do Artigo 16 do PL, e, sobretudo, na nova responsabilidade que recai sobre os empreendedores e os consultores ambientais, cujos atos e omissões assumem um protagonismo nunca antes visto no licenciamento ambiental brasileiro.

1. A Licença por Adesão e Compromisso (LAC): De Experiência Estadual à Consolidação Nacional

A Licença por Adesão e Compromisso (LAC) não é uma invenção do PL 2.159/2021. Antes de se transformar em proposta nacional, ela já vinha sendo testada e implementada por alguns estados brasileiros como instrumento de simplificação do licenciamento ambiental, especialmente para atividades consideradas de baixo impacto.

Entre os exemplos mais consolidados estão:

– Bahia: Desde 2012, com a Resolução CEPRAM nº 4.260, o estado permite a LAC para atividades de impacto ambiental conhecido, repetitivo e de baixo potencial poluidor, mediante declaração do empreendedor de que cumpre os requisitos previamente estabelecidos.

– Rio Grande do Sul: Com a Resolução CONSEMA nº 455/2021, o estado formalizou a LAC para atividades que possuem padrões técnicos consolidados e impactos ambientais previsíveis e controláveis.

– Goiás, Paraná, Santa Catarina e Rio de Janeiro também adotaram modelos de licenciamento simplificado ou autodeclaratório, sempre com variações de escopo, critérios e controles.

O PL 2.159/2021 consolida esse modelo no âmbito nacional, autorizando expressamente sua aplicação – desde que não haja supressão de vegetação nativa e que o empreendimento não esteja localizado em áreas de fragilidade ambiental.

2. O Artigo 16 do PL: Uma Ruptura na Governança Interfederativa?

Entre os dispositivos mais debatidos do PL, destaca-se o Artigo 16, que altera significativamente a relação entre o licenciamento ambiental e os demais instrumentos administrativos municipais e setoriais.

Diz o texto:

“Art. 16. O licenciamento ambiental independe da emissão da certidão de uso, parcelamento e ocupação do solo urbano emitida pelos Municípios, bem como de autorizações e outorgas de órgãos não integrantes do Sisnama, sem prejuízo do atendimento, pelo empreendedor, da legislação aplicável a esses atos administrativos.”

Na prática, isso significa que o empreendedor não precisará mais apresentar, como condição para obter a licença ambiental, documentos como:

– Certidão de uso e ocupação do solo emitida pelos municípios;
– Outorgas de uso da água (emitidas por agências de recursos hídricos, que estão fora do SISNAMA);
– Anuências ou autorizações de órgãos como IPHAN (patrimônio cultural) ou FUNAI (quando não se trata de licenciamento diretamente ambiental).

A lógica é desburocratizar, evitar sobreposição de competências e fazer com que cada ente federativo ou órgão setorial cuide da sua esfera de atuação.

No entanto, é indispensável ressaltar que isso não exonera o empreendedor do cumprimento dessas legislações. Ou seja, obter a licença ambiental não garante, por si só, que o empreendimento esteja regular do ponto de vista urbanístico, hídrico, cultural ou fundiário.

Essa separação de esferas tem duas faces:
– Por um lado, simplifica o procedimento e reduz entraves administrativos.
– Por outro, aumenta o risco jurídico do empreendedor, que precisará zelar ativamente pela regularidade integral do seu negócio – antes, durante e após o licenciamento.

3. Autonomia e Responsabilidade nas Declarações: Uma Nova Era no Licenciamento

Com a expansão da LAC e do modelo de licenciamento baseado em autodeclaração, surge uma consequência inevitável: a transferência de grande parte da responsabilidade técnica e legal para o empreendedor e para os consultores ambientais contratados.

O modelo, que se apoia na confiança legítima nas informações prestadas, pressupõe que:
– Os dados são verdadeiros;
– As análises ambientais são tecnicamente corretas;
– As conclusões são consistentes com a realidade do empreendimento e da área de influência.

Se, até então, o órgão ambiental assumia parte considerável do risco administrativo, revisando minuciosamente os estudos, o novo modelo desloca esse risco para quem declara.

Isso exige, portanto, uma elevação substancial do padrão de qualidade e de governança dos consultores ambientais.

Empresas que negligenciarem a escolha de quem as representa tecnicamente correm sérios riscos – não apenas de autuações administrativas, mas de processos civis por reparação de danos ambientais e até de responsabilização penal, nos termos da Lei nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais).

4. A Fiscalização Pós-Licença: Mais Forte, Mais Tecnológica, Mais Rigorosa

A compensação natural da flexibilização procedimental é um fortalecimento expressivo da fiscalização pós-licença.

O modelo adotado pelo PL pressupõe que os órgãos ambientais direcionem menos energia para análise prévia e mais recursos para:
– Vistorias em campo, com uso massivo de drones, satélites e cruzamento de dados;
– Auditorias ambientais periódicas;
– Monitoramento remoto e em tempo real de condicionantes ambientais;
– Atuação coordenada com órgãos de controle externo, como Ministérios Públicos e Tribunais de Contas.

Empreendimentos que obtiverem licença por meio de informações falsas, omissões relevantes ou erros técnicos graves estarão sujeitos não apenas a cassação da licença, mas também a:
– Multas ambientais elevadas;
– Ações civis públicas por danos ambientais;
– Responsabilização criminal dos responsáveis técnicos e dos empreendedores, conforme artigos 69 e 69-A da Lei de Crimes Ambientais.

O rigor da fiscalização se torna, portanto, a nova âncora do sistema.

5. A Escolha da Consultoria Ambiental: De Custo Operacional a Estratégia Jurídica e Empresarial

Diante desse cenário, a escolha da consultoria ambiental deixa de ser uma decisão meramente operacional e se torna uma decisão estratégica e jurídica de altíssimo impacto.

Não se trata mais de contratar quem oferece o menor preço ou quem promete “facilidade” no licenciamento.

Ao contrário, o empreendedor precisa garantir que a consultoria escolhida:
– Tenha robustez técnica e reputação ilibada;
– Implemente procedimentos internos rigorosos de controle de qualidade e compliance ambiental;
– Adote práticas transparentes, com metodologias robustas e rastreáveis;
– Esteja preparada para responder, junto ao empreendedor, em eventual processo administrativo, civil ou criminal.

A consultoria passa a ser, de fato, uma extensão da governança ambiental do empreendimento.

Conclusão: A Autodeclaração Não é Licença para Negligência

O PL 2.159/2021, ainda pendente de sanção presidencial, representa uma transformação profunda no licenciamento ambiental brasileiro. Ele não extingue a responsabilidade do empreendedor – ao contrário, a transfere diretamente para ele e para os profissionais que assinam os estudos técnicos.

Portanto, o que se observa não é uma flexibilização no sentido de “afrouxamento”, mas uma mudança de paradigma:
– Menos controle na porta de entrada;
– Muito mais controle na porta de saída – durante e após o licenciamento.

Para os empreendedores, fica a reflexão urgente: a qualidade da consultoria ambiental que irá te representar no licenciamento passa a ser um dos fatores mais críticos da sua segurança jurídica e operacional.

Aos consultores ambientais, fica o alerta: o mercado valorizará, mais do que nunca, não só a competência técnica, mas também a capacidade de garantir segurança jurídica, ética e técnica a seus clientes.

Estamos, definitivamente, na era em que licenciar bem não é só um dever ambiental – é uma blindagem jurídica e uma estratégia empresarial inteligente.

Leia também: A Importância do Cumprimento da Obrigação de Demonstração do Diligenciamento Ambiental perante à ANM

Ana Rafaella Trindade

Diretora Executiva

Advogada, inscrita na OAB/MG sob o nº 142.691, pós-graduada em Direito Ambiental (2014) pela Universidade FUMEC, em Direito Processual Civi (2016) pelo Instituto Elpídio Donizzeti - IED, e especialista em Direito Minerário (2015) pelo CEDIN – Centro de Direito Internacional. É membro da Comissão de Meio Ambiente da OAB/MG e representante da OAB/MG no Comitê de Bacia Hidrográfica da Bacia do Paraopeba.

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