Durante muito tempo, os rejeitos e estéreis da mineração foram vistos como resíduos sem valor, gerando altos custos de disposição e riscos ambientais. Hoje, no entanto, o setor mineral brasileiro passa por uma transformação significativa: esses materiais começam a ser reconhecidos como fontes potenciais de recursos econômicos e ambientais.
Essa mudança de perspectiva está ancorada em dois pilares principais: a evolução da legislação mineral, especialmente com a Resolução ANM nº 85/2021, e o avanço das práticas de gestão ambiental e economia circular dentro das operações de mineração.
1. A Nova Regulamentação da ANM e a Valorização dos Materiais Minerais
A Resolução ANM nº 85/2021, posteriormente alterada pela Resolução ANM nº 189/2024, estabeleceu um marco regulatório essencial para o aproveitamento e valorização de rejeitos e estéreis.
A norma original reconheceu o reaproveitamento desses materiais como parte integrante da atividade minerária, permitindo que o titular do direito minerário execute o aproveitamento sem necessidade de nova outorga, desde que o processo esteja vinculado à mina de origem.
Com a atualização de 2024, a Resolução ANM nº 189/2024 alterou pontos específicos da Resolução nº 85/2021, especialmente o artigo 2º, para reforçar os requisitos de regularização fundiária e técnica relacionados ao aproveitamento de rejeitos e estéreis. A nova norma determina que essas estruturas devem estar expressamente previstas no Plano de Aproveitamento Econômico (PAE), declaradas no Relatório Anual de Lavra (RAL) e, quando localizadas fora da área titulada, amparadas por servidão minerária devidamente averbada. Essas mudanças visam garantir maior transparência, rastreabilidade e segurança jurídica nas operações de reaproveitamento mineral.
Além disso, o arcabouço regulatório cria incentivos econômicos concretos: empresas que solicitarem o aditamento de novas substâncias e informarem a cadeia produtiva de destino podem obter redução de 50% na alíquota da CFEM. Trata-se de um estímulo direto à valorização de subprodutos minerais e à implementação de práticas de economia circular no setor.
2. Gestão Ambiental e Hierarquia de Prioridades
A valorização de rejeitos deve caminhar lado a lado com uma gestão ambiental responsável. De acordo com os princípios da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010 e Decreto nº 10.936/2022), a gestão de resíduos minerais deve seguir uma hierarquia de prioridades, que contempla:
1. Não geração
2. Redução na fonte
3. Reutilização
4. Reciclagem
5. Tratamento
6. Valorização dos resíduos
7. Disposição final adequada
Aplicada à mineração, essa lógica orienta o melhor aproveitamento possível dos recursos minerais, reduzindo o volume de rejeitos e estéreis e, consequentemente, os riscos de passivos ambientais. A disposição inadequada desses materiais ainda é uma das principais causas de impactos sociais, econômicos e jurídicos, como demonstram tragédias recentes. Por isso, reaproveitar é sinônimo de prevenir, inovar e agregar valor.
3. Classificação e Caracterização Técnica: Segurança em Primeiro Lugar
Para que o reaproveitamento seja viável e seguro, é essencial a classificação adequada dos materiais segundo suas características físicas, químicas e toxicológicas.
A ABNT NBR 10.004:2024, recentemente atualizada, define critérios claros para distinguir resíduos perigosos e não perigosos, com base em propriedades como toxicidade, inflamabilidade, corrosividade e reatividade.
Essa caracterização é o primeiro passo para garantir que o aproveitamento ocorra de forma ambientalmente segura, tecnicamente viável e legalmente compatível, prevenindo contaminações e favorecendo a rastreabilidade dos processos.
4. Da Gestão de Resíduos à Economia Circular Mineral
O novo modelo de mineração propõe um ciclo mais inteligente e sustentável: extrair, transformar, reaproveitar e reintegrar. Com o avanço das tecnologias de beneficiamento e reaproveitamento, como o uso de rejeitos em produtos cerâmicos, construção civil, pavimentação e materiais cimentícios, o setor caminha para um conceito de “mina de ciclo completo”, na qual cada material gerado encontra um destino útil.
Essa mudança estrutural simboliza um novo patamar de eficiência operacional e responsabilidade ambiental, alinhado às tendências globais de descarbonização e ESG (Environmental, Social and Governance).
Conclusão: Reaproveitar é Evoluir
A Resolução ANM nº 85/2021, atualizada pela Resolução ANM nº 189/2024, consolida um novo modelo de mineração no Brasil, mais sustentável, integrado e eficiente. Ao reconhecer o valor econômico e ambiental dos rejeitos e estéreis, o setor passa a operar sob uma lógica de recurso total, em que nada é desperdiçado.
O reaproveitamento de rejeitos não se limita a uma prática ambientalmente responsável: requer suporte técnico e jurídico especializado para garantir segurança regulatória e minimizar riscos de passivos. A atuação integrada nas áreas ambiental, jurídica e mineral permite identificar oportunidades de valorização, assegurar conformidade legal e otimizar os processos de gestão de resíduos.
Investir em reaproveitamento é mais do que cumprir uma norma: é adotar uma estratégia de futuro, capaz de reduzir impactos, gerar inovação e fortalecer a imagem da mineração brasileira no cenário global. O verdadeiro progresso mineral não está apenas em extrair o que há de melhor do solo, mas em aproveitar com inteligência tudo o que ele oferece, transformando cada resíduo em oportunidade de valor.
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