Licenciamento ambiental da queima de palha

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente julgamento (AgInt no AREsp 2.064.813-SP), reafirmou o entendimento de que a competência para o licenciamento ambiental da atividade de queima da palha de cana-de-açúcar é do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), diante do caráter transfronteiriço dos danos ambientais provocados por essa prática. Trata-se de mais um importante precedente que consolida a jurisprudência da Corte Superior quanto à repartição de competências no âmbito do licenciamento ambiental, especificamente para a atividade em questão.

A controvérsia surgiu a partir de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, questionando a legitimidade daquela unidade da federação para conceder licenças ambientais que autorizam a queima controlada da palha de cana-de-açúcar. A demanda buscava, entre outros pontos, a nulidade das licenças estaduais expedidas, a assunção do licenciamento pelo IBAMA e a exigência de estudos prévios de impacto ambiental (EIA/RIMA) para a autorização da atividade.

Embora o Tribunal Regional Federal da 3ª Região tenha mantido a competência do órgão ambiental estadual, sob o argumento de que não haveria prova suficiente dos impactos extrapolarem os limites do Estado, o STJ reformou esse entendimento. Isso porque a Primeira Turma concluiu que os efeitos da queimada não se restringem ao local de sua ocorrência, mas atingem outros estados da federação, caracterizando os danos como transfronteiriços. Assim, conforme estabelece o art. 7º, inciso XIV, alínea “e”, da Lei Complementar nº 140/2011, a competência para o licenciamento ambiental, em tais hipóteses, é da União.

A recente decisão contribui para a consolidação da jurisprudência da própria Corte, como nos precedentes firmados no REsp 1.386.006/PR, REsp 1.474.492/SP e AgInt no REsp 1.605.705/PR, que reconhecem expressamente os efeitos ambientais em escala regional da queima da palha da cana-de-açúcar. Esses julgados destacam que a emissão de gases e partículas finas atinge amplamente a atmosfera, podendo gerar impactos significativos sobre a saúde pública em estados vizinhos, especialmente doenças respiratórias.

Interessante notar que a controvérsia toca em um ponto sensível do federalismo cooperativo brasileiro: a repartição de competências entre os entes federados. É de se pontuar que a Lei Complementar nº 140/2011 estabeleceu balizas para essa divisão, atribuindo a cada esfera de governo atribuições específicas conforme a extensão dos impactos ambientais. No caso em análise, o STJ concluiu que a atividade em questão — independentemente do seu enquadramento em normas estaduais — produz efeitos que ultrapassam a competência estadual, o que, segundo a Corte, justifica a atuação do IBAMA.

Ao reafirmar o entendimento de que o IBAMA é o órgão competente para o licenciamento da atividade em razão dos efeitos transfronteiriços, o STJ dá continuidade a uma linha jurisprudencial já adotada em outros casos semelhantes. Resta saber como os órgãos ambientais e o próprio setor sucroenergético irão se posicionar frente à consolidação desse entendimento, cujas repercussões podem se estender tanto para novas autorizações quanto para licenciamentos já emitidos.

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Luciana Leite

Técnica em Meio Ambiente pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (2019), e graduanda do 10º período em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atua na área de Direito Ambiental e Minerário há 3 anos.

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