
Quando se fala em responsabilidade por danos ambientais, a primeira imagem que surge costuma ser a de quem age de forma direta contra a natureza: o agricultor que desmata, a empresa que despeja resíduos em rios ou o indivíduo que ateia fogo em uma floresta. No entanto, a legislação brasileira, considerada uma das mais avançadas do mundo na proteção ambiental, vai além e reconhece também a figura do poluidor indireto. Esse conceito abrange quem, mesmo sem praticar diretamente a conduta lesiva, contribui para a ocorrência ou a perpetuação do dano, seja por ação ou omissão.
O artigo 3º, inciso IV, da Lei nº 6.938/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, define o poluidor como qualquer pessoa, física ou jurídica, pública ou privada, responsável, direta ou indiretamente, por atividades que causem degradação ambiental. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem ampliado e consolidado essa interpretação, aplicando-a em casos que envolvem tanto particulares quanto o próprio poder público.
Um exemplo marcante está no julgamento do AREsp 1.678.232/SP, em 2021, quando a Segunda Turma manteve a condenação do município e do estado de São Paulo por loteamentos clandestinos em áreas de risco. Para o tribunal, a omissão na fiscalização configurou causa indireta do dano ambiental, atraindo a responsabilidade objetiva dos entes públicos. Esse entendimento foi consolidado na Súmula 652 do STJ, segundo a qual a omissão no dever de fiscalização gera responsabilidade solidária da Administração Pública, ainda que sua execução seja subsidiária.
Nos casos ambientais, a solidariedade entre os responsáveis é a regra. No REsp 1.631.143, envolvendo frigoríficos acusados de poluir um igarapé, o tribunal reafirmou que não é necessário individualizar a conduta de cada poluidor quando todos, de alguma forma, concorrem para o resultado. Esse raciocínio foi aprofundado em 2022, no AREsp 1.945.714/SC, quando o ministro Og Fernandes defendeu uma ressignificação do nexo causal em matéria ambiental: basta que a conduta, comissiva ou omissiva, tenha relevância para a ocorrência ou perpetuação do dano para que haja responsabilização.
Outro marco importante foi a fixação, em 2023, da tese do Tema 1.204 dos recursos repetitivos, segundo a qual as obrigações ambientais têm natureza propter rem. Isso significa que recaem sobre o proprietário ou possuidor atual do imóvel, ainda que não tenha sido ele o causador da degradação. Ao adquirir uma área, o novo dono herda não apenas os benefícios, mas também os ônus ambientais que recaem sobre ela.
A responsabilidade do poluidor indireto também já alcançou profissionais técnicos. No RHC 118.591/PR, a Quinta Turma entendeu que um engenheiro agrônomo que prescreveu agrotóxicos em desacordo com a legislação poderia responder pelos danos decorrentes, mesmo sem ter aplicado os produtos. O tribunal considerou que, ao prescrever de forma incorreta, o profissional detinha controle funcional da conduta poluente.
O tema foi debatido na I Jornada Jurídica de Prevenção e Gerenciamento de Crises Ambientais, organizada pelo Conselho da Justiça Federal em 2024, que aprovou enunciados reforçando a responsabilidade solidária do poluidor indireto e ampliando a interpretação do conceito de empreendedor para abarcar todos os agentes envolvidos na cadeia causal da atividade poluidora.
A evolução da jurisprudência mostra que o STJ tem adotado uma visão cada vez mais abrangente e preventiva da responsabilidade ambiental. O poluidor indireto, seja ele particular, profissional ou ente público, não pode se esquivar do dever de reparar e restaurar o meio ambiente. A reflexão, diante destes julgados é clara: proteger a natureza não é apenas impedir a ação direta de quem degrada, mas também responsabilizar aqueles que, por omissão ou benefício, permitem que o dano aconteça ou persista.
Em suma, a noção de poluidor indireto reafirma que a proteção ambiental não admite zonas de omissão ou conivência: quem contribui, ainda que indiretamente, para a degradação, deve responder pelos danos causados. A jurisprudência do STJ tem cumprido um papel fundamental ao ampliar o alcance dessa responsabilidade, fortalecendo o caráter preventivo e reparatório do direito ambiental. Trata-se de um recado claro de que a preservação do meio ambiente exige compromisso coletivo, em que o benefício econômico ou a inércia diante da destruição não podem se sobrepor ao dever maior de garantir às presentes e futuras gerações o direito a um planeta equilibrado e saudável.
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