Créditos de Carbono e a Mineração

A crise climática global tem impulsionado a criação de instrumentos financeiros que estimulem a mitigação de gases de efeito estufa (GEE). Os créditos de carbono se destacam nesse cenário, permitindo que setores emissores, com destaque para a mineração neste artigo, se posicionem estrategicamente na economia de baixo carbono. Contudo, os recentes dados apresentados pela “Revista Amazônia” evidenciam que essa integração precisa ser cautelosa e transparente.

Um crédito de carbono representa a remoção ou a não emissão de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente (tCO₂e) da atmosfera. Esses créditos podem ser comercializados em mercados voluntários ou regulados, e estão atrelados a projetos certificados por padrões reconhecidos (como Verra/VCS, Gold Standard, REDD+ etc.). 

O setor mineral é altamente emissor, com fontes de emissão que incluem a queima de combustíveis fósseis em equipamentos de lavra e transporte, processos industriais para beneficiamento de minérios, supressão de vegetação e alterações no uso do solo etc. Logo, a compensação por meio de créditos de carbono surge como alternativa viável, especialmente quando combinada com esforços de descarbonização direta.

Conforme estudo recente publicado na Revista Amazônia (2024), revelou-se que 40,1 milhões de tCO₂e foram emitidas por projetos REDD+ localizados em áreas sobrepostas a processos minerários, e 73 dos 114 projetos REDD+ brasileiros apresentaram sobreposição com áreas mineráveis ou com requerimentos ativos. Observou-se também que mais de 3.600 empresas, incluindo mineradoras, adquiriram esses créditos — destacando-se Vale S.A., Sigma Lithium, Equinox Gold, entre outras. Além disso, no Projeto Maísa REDD+, no Pará, foram identificados casos de trabalho análogo à escravidão, desmatamento de mais de 6.400 hectares, e emissão de créditos mesmo após a degradação ambiental efetiva.

Esses dados revelam riscos de “greenwashing”, onde empresas compensam suas emissões com créditos provenientes de projetos ambientalmente frágeis ou eticamente questionáveis. Dessa forma, tendo em vista essa realidade, é necessário que empreendimentos minerários priorizem projetos que tenham base técnica sólida e planejamento de longo prazo, assim como utilizem metodologias reconhecidas internacionalmente (ex.: VM0007 para reflorestamento nativo e VM0034 para recuperação de áreas degradadas). Também deve-se atentar que este projetos estejam localizados fora de áreas com conflitos fundiários, sobreposição com unidades de conservação ou comunidades tradicionais não consultadas.

Quanto à governança, deve-se haver auditorias independentes e publicações de relatórios periódicos de Monitoramento, Verificação e Relato (MRV), assim como a realização de consulta livre, prévia e informada (CLPI) em territórios indígenas e tradicionais, conforme a Convenção 169 da OIT. Por fim, é fundamental que os projetos sejam registrados em plataformas com rastreabilidade total de créditos gerados, vendidos e aposentados.

Para o atendimento de indicadores de sustentabilidade, as empresas devem buscar um equilíbrio entre as ações de redução direta de emissões (como transição energética e eletrificação de frota) e a compensações por créditos de carbono, que devem ser complementares. Para o sucesso dos projetos, é fortemente recomendado que haja o acompanhamento da regulamentação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), além dos demais sistemas internacionais.

Isto posto, o mercado de créditos de carbono pode ser um aliado poderoso para o setor mineral, desde que haja atendimento de critérios rigorosos, com princípios relacionados a integridade ambiental, justiça social e legalidade. Dessa forma, a mineração só poderá se inserir de forma legítima nesse setor quando houver responsabilidade socioambiental concreta, com ações transparentes, auditáveis e alinhadas a metas reais de mitigação climática, fundamentais para garantia da sustentabilidade nos empreendimentos aderentes ao mercado de carbono.

Leia também: A gestão de rejeitos e o papel decisivo do controle regulatório na mineração

Isabella Rossi Silva

Engenheira Ambiental

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